domingo, 4 de outubro de 2009

À Criticidade - Artigo escrito por Alvaro Spadim Gonçalves

À Criticidade


Alvaro Spadim Gonçalves
Aluno do 3º ano do curso de Geografia da UENP


O que vem a ser o desenvolvimento crítico do aluno e por que ele é tão necessário ao ensino-aprendizagem?
Abordo este tema por parecer-me altamente relevante nos dias atuais discutir a situação do ensino-aprendizagem brasileiro, sobremaneira após os resultados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicarem que o Brasil possui grande número de analfabetos (10% de sua população) e a pesquisa realizada pela ONG Ação Educativa em parceria com o Instituto Paulo Montenegro, indicar que apenas 25% dos brasileiros com mais de 15 anos têm pleno domínio das habilidades da leitura e da escrita.
De acordo com este levantamento, 38% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos funcionais. Desses, 8% são analfabetos absolutos. Os outros 30% têm nível de habilidade de leitura e de escrita muito baixos, isto é, conseguem identificar enunciados simples, mas são incapazes de interpretar um texto mais longo ou com alguma complexidade. Ressalto: aproximadamente 68 milhões de brasileiros são incapazes de construir a própria história.
O mundo, segundo o geógrafo Milton Santos, atravessa um período de grande e ágil transformação (revolução) técnica, científica e informacional ou, segundo suas próprias palavras, um período técnico-científico-informacional, que ao mesmo tempo em que nos possibilita conhecer e participar dos acontecimentos em escala global e em tempo real, também nos exclui com a mesma rapidez e intensidade. Ou seja, paradoxalmente somos a um só tempo produto das revoluções passadas (Industrial, Francesa e Estadunidense) e produtores das revoluções presentes (Científica, Técnica, Informacional, Socioeconômica e Ambiental) que o planeta, como um todo, atravessou e atravessa. E ainda mais, somos os agentes (conscientes ou inconscientes) responsáveis pela sustentabilidade – algo em torno de 200 anos – da condição ideal de vida às gerações futuras.
Desta forma, o saldo positivo ou negativo do nosso atual modelo de vida é resultado da evolução sócio-histórica iniciada pelas antigas civilizações e, principalmente, das Revoluções inglesa, francesa e estadunidense consagradas no século XVIII. Igualmente o modelo de vida das futuras gerações será o resultado das “Revoluções” que estamos criando (alguns países, incluindo o Brasil, com maior intensidade) diuturnamente ao longo dos últimos 60 anos. Assim, a participação crítica do indivíduo neste processo não é apenas relevante, mas essencial sob todos os aspectos. No momento atual, o modelo de ensino (escola clássica ou tradicional) não atende mais a exigência deste mundo globalizado e informatizado, tornando-se premente a necessidade de repensá-lo para oferecer aos alunos a oportunidade de envolvimento em seu processo educativo e, ao mesmo tempo, em seu processo formativo enquanto sujeito social.
Marx, em O Capital, diz que:

“O operário que traz nas mãos todo um ofício pode exercer sua indústria em qualquer parte e achar meios de subsistência; o outro (o das manufaturas) não passa de um acessório que, separado de seus companheiros, não tem mais capacidade nem independência e se vê forçado a aceitar a lei que se acha conveniente impor-lhe.” (MARX p. 146)

Hoje, já não apenas o operário, mas, sobretudo o jovem incapaz de desenvolver uma visão holística de sua realidade e adquirir espontaneamente um conhecimento crítico e libertador está fadado à marginalização, ao subemprego, às políticas “ditas” sociais e às imposições das oligarquias hegemônicas locais e mundiais que avançam sobre o indivíduo singular e sobre o indivíduo coletivo. Este jovem é ao mesmo tempo espectador dos acontecimentos (agente passivo da história) e cidadão sem exercício de cidadania, um ser sem consciência crítica de sua posição social, portanto, um dependente social.
Antonio Gramsci, em seu livro Concepção Dialética da História, lança-nos um questionamento bastante pertinente ao momento:

“é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção do mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?” (GRAMSCI, 1984, p. 12)

A resposta, por mais óbvia que nos possa parecer, ainda não encontrou eco entre os jovens brasileiros. E por quê? Quais são os verdadeiros motivos que levam tantos jovens – freqüentadores de salas de aula e, portanto, indivíduos teoricamente capacitados à aprendizagem – a espontaneamente se auto-excluirem do conhecimento e se auto-marginalizarem socialmente?
Apontar com precisão estes motivos não é tarefa fácil, principalmente dado a grande extensão territorial e a diversidade cultural e educacional do nosso país. Para fazê-lo, em princípio, seriam necessários estudos de caso realizados por uma equipe multidisciplinar com um objetivo específico: avaliar historicamente as diversas realidades brasileiras do pós redemocratização. Aliás, este me parece ser um objetivo urgente, uma vez que – aparentemente – a redemocratização (no segmento ensino-aprendizagem) não tem justificado o discurso oposicionista de outrora. Vesentini, em Para Uma Geografia Crítica na Escola, ao citar este problema, diz:

“Quanto à “crise da escola”, esse é um assunto que não nos interessa mais de perto aqui, e sobre ele existem inúmeras interpretações: desde explicações que culpam a “pedagogia moderna” por se preocupar muito com técnicas educativas e pouco com o conteúdo a ser ensinado, até explicações que culpam o “ensino tradicional” não voltado para a vida e que confunde a criança ou o adolescente com um “pequeno adulto”; e, naturalmente, as explicações mais elaboradas sobre novas funções que a sociedade contemporânea exige da escola, em consonância com as transformações do capitalismo avançado. (VESENTINI, 2008, p.12)

Individualizar a deficiência do processo ensino-aprendizagem é, pois, tarefa senão impossível, bastante complexa. O caráter subjetivo do problema só pode ser resolvido em cada escola, por cada aluno e por cada professor de maneira conjunta. Esta é uma questão de boa vontade e compromisso de longo prazo de todos os envolvidos. Assim, volto ao cerne deste artigo, ou seja, discutir a necessidade do desenvolvimento crítico do aluno e de que forma ele pode ser trabalhado em ambientes tão distintos e tão desfavoráveis.
Como é possível à escola e ao professor trazerem luz à escuridão presente no ensino-aprendizagem? Segundo Vasconcelos

“Ao invés de simplesmente apresentar o conteúdo que será trabalhado, recomenda-se que o professor crie uma situação problema, instigante e provocativa. Por isso, (a problematização) deve se constituir de questões que estimulem o raciocínio, a reflexão e a crítica, de modo que (o aluno) se torne sujeito do seu processo de aprendizagem.” (VASCONCELOS, 1993)

Mas como fazê-lo? Como alcançar este original mundo criado e recriado instantaneamente pelos jovens, pela mídia e pela (des)informação imediatista e irresponsável dos novos meios de comunicação? Vesentini, em seu livro já citado, nos mostra um caminho bastante interessante

“(...) o ensino é cheio de desafios novos que qualquer modelo pronto vai ignorar. E se o professor não raciocinar em termos de “ensinar algo”, e sim de “contribuir para desenvolver potencialidades” do aluno, ele verá que o conhecimento também é poder, serve para dominar ou combater a dominação, e que o educando pode e deve tornar-se co-autor do saber. Em outros termos, o conhecimento a ser alcançado no ensino não se localiza no professor ou na ciência a ser “ensinada” ou vulgarizada, e sim no real, no meio em que aluno e professor estão situados e é fruto da práxis coletiva dos grupos sociais. (VESENTINI, 2008, p.15)

Como diz Vesentini “o ensino é cheio de desafios novos que qualquer modelo pronto vai ignorar”, portanto, é preciso abstrair-se das imposições do poder instituído e da sistematização do saber. Para isso é preciso que a escola e o professor atuem em conformidade com a superposição das necessidades dos novos tempos e não sejam prisioneiros de modelos estanques que limitam o horizonte do aluno ao momento imediato; ao atendimento dos vícios do capitalismo. É preciso lembrar que o indivíduo (com toda a sua bagagem cultural e psicológica) vem à escola como resultado das deficiências deste sistema, portanto, a significação do conhecimento adquirido em sala de aula é, para ele, questão meramente pragmática. Cabe à escola e ao professor superarem este momento, permitindo-se trabalhar dialeticamente a interdisciplinaridade das ciências em toda sua complexidade.
Marta Kohl de Oliveira, em seu excelente livro “Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento”, diz:

“Embora Vygotsky enfatize o papel da intervenção no desenvolvimento (do aluno), seu objetivo é trabalhar com a importância do meio cultural e das relações entre indivíduos na definição de um percurso de desenvolvimento da pessoa humana, e não propor uma pedagogia diretiva autoritária. Nem seria possível supor, a partir de Vygotsky, um papel de receptor passivo para o educando: Vygotsky trabalha explícita e constantemente com a idéia de reconstrução, de reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural. A consciência individual e os aspectos subjetivos que constituem cada pessoa são elementos essenciais no desenvolvimento da psicologia humana, dos processos psicológicos superiores. A constante recriação da cultura por parte de cada um dos seus membros é a base do processo histórico, sempre em transformação, das sociedades humanas.” (OLIVEIRA, 1991, p.63)

Assim, a construção e a reconstrução do processo sócio-histórico só podem dar-se através da plena capacidade do indivíduo compreender seu papel na sociedade, no tempo e no espaço em que se encontra inserido, desenvolvendo conceitos, atitudes e habilidades próprias, pensadas de dentro para fora do seu ser. Neste sentido o papel da escola e do professor não está restrito a ensinar pelo ensinar e nem a recitar conteúdos mnemônicos que entulham a “cabeça” dos alunos. Ao contrário

“É fundamental (à escola, ao professor e ao aluno) viver a própria existência como algo unitário e verdadeiro, mas também como um paradoxo: obedecer para subsistir e resistir para poder pensar o futuro. Então, a existência é produtora de sua própria pedagogia.” (SANTOS, 2008, p.116)

Podemos concluir então, que a criticidade é o elemento primordial do processo ensino-aprendizagem, pois dá ao indivíduo dupla função: a de aluno – enquanto adquire conhecimento espontâneo e qualitativo discute os “porquês” implícitos ou ocultos da ciência – e de sujeito social – questionador da realidade que o circunda, ou seja, ator conscientemente da história social de seu tempo. Da mesma forma a escola e o professor ao não representarem apenas um papel “fixo” neste processo, tornam-se “produtores da sua própria pedagogia”, ou dito de outro modo, tornam-se partes independentes do todo capazes de com ele interagir para alcançar um objetivo comum: a formação educacional de jovens aptos a se decidirem pelo melhor caminho a ser seguido.

BIBLIOGRAFIA
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2008
OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky, aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1991
VESENTINI, J. W. Para uma geografia crítica na escola. São Paulo: Autor, 2008
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1984
VASCONCELOS, C. dos S. Construção do conhecimento em sala de aula. São Paulo: Libertad – Centro de Formação e Assessoria Pedagógica, 1993